O pescoço enrijeceu. É um sinal do fim dos tempos? Está tudo tortuoso desde que me tornei fraco para uma só bebida. Querer ser feliz diante do álcool, depressor do sistema nervoso, exige situação adequada: amigos, amantes, afins. Nada disso existe aqui. É deserto. Há apenas a bebida, corolário, descendo e voltando pelo corpo, tal qual o exercício do trapezista. Enquanto isso, desespera-se pela atenção. Conversa hipotética sobre a conversa hipotética com aquele ou aquela que não receberá seus dados escritos. Saiba, é por não saber desencadear e então decidir, na razão humana, ser cachorro procurando o rabo infinitamente num círculo, num oito, num ponto. Cobra que come cobre e devora em partes o desejo. Sem desafios póstumos, sem recomeço.
quarta-feira, 18 de junho de 2025
domingo, 23 de março de 2025
Óculos
Estou de olho em você. Estou de olho em vocês dois! Pla-To-Ni-Ca-Men-Te. Pois se pudesse, abocanharia. NHAC! E quando o dia cai feito Belzebu sobre a igreja, tapando a crença com a dúvida, me pergunto: Kaspar Hauser, se adulto, seria consumido pelo furor do desejo? Lobos loucos solitários em salas grupais rodeiam olho-rabo o caminho infinito que forma círculo e vira ponto. Acaba-se assim a História?
quarta-feira, 25 de dezembro de 2024
Carta de Amor II
Você sequer tinha sua barba naquele sonho. Isso se me lembro direito de você. Não sei se me lembro, não te conheci muito bem. O que posso afirmar é a sua posição naquela esfera, o sonho, em que estava feroz contra mim.
Deve ser como eu te imagino - faz sentido! -, embora esperasse que fosse a realidade além do onírico: você bravo e feroz feito um cão radical possuído pela raiva. Devolvi na mesma medida - Não, fui mau.
Defendi meu território e calei suas palavras com imensa racionalidade, fazendo questão de procurar mais provas além das fornecidas, que foram desnecessariamente caçadas por toda aquela cena para o puro estado da humilhação, que só pode ser visto assim agora com a crosta resfriada, vivido naquele instante como a construção sólida de minha defesa.
Ninguém me violará.
Sinto sua falta. Sinto-a porque não te conheci muito bem e gostaria de o ter feito. Não sei o que se desenvolveria disso. Agora só espero que tenhas ira, fome, mágoa; que gires seu rabo em torno disso, corras e apontes as orelhas para a direção tomada como pontas de flecha que cortam o vento.
Encontre-me, pois não sei como te encontrar.
sexta-feira, 8 de novembro de 2024
Medusa e Caravela
Todos os sentimentos podem permear a sala de uma mesma mente. Conjugam-se livremente mesclando e separando para seus unicelulares originais. O corpo sentimental é caravela-portuguesa. Vem de mesmo ser, trabalhando e se direcionando para sustentar funções inócuas que são satisfatórias em suas diligências ainda que fadadas ao mortífero do próprio cerne. Haraquiri ou caos organizado – são estas decisões laborais e torturantes (diga-se: auto-tortura) aquelas extremamente, singularmente organizadas, não necessariamente compreendidas à flor dos olhos além.
“Não é medusa apesar da aparência”. Não é medusa. É cooperativista e não-usual. Balão uno de muitas e muitas partes (Antítese? Oximóron?), com fio e corda e corpo inflado que eletrocuta e morre, desloca e encalha, solta-se e come, que cria e modifica e reproduz.
sábado, 3 de agosto de 2024
Conversa Dental
“Isso, isso… É claro que me importo com todos os acontecimentos que a mim são direcionados. Todos nós nos preocupamos, certo? Quem sabe? Não sou eu quem dirá por você. O que posso afirmar é que me importei com tudo e agora passo alheio como se não me importasse com nada. Aquele dia. Aquele acontecimento daquele dia. O que passou, o que vivi. Foi. Sabe o que realmente me incomoda? Perceba, venha analisar: não aquelas palavras das quais ele me chamou, situou e enfiou. É tudo categórico. O que me incomoda é que estavam no diminutivo. Quando criança, não é um problema te tratarem como criança e sim te tratarem como uma criancinha. Uma subcriança. Ali ele já me diminuiu. Restringiu a posse social. Era uma projeto de gente. Dessa forma de gente, tornou-se ainda mais restrita. Mínima. Jogou a dignidade para baixo, terra adentro. A semente, vamos configurar, sequer gerou a muda. Eu me tornei semente diante daquelas palavras. A criancinha que sequer é criança, categoria menor da vida humana, e ali, já adulto, uma categoria abaixo de onde eu poderia estar. Bananas para todo lado, pisando e escorregando. Uma alegoria circense, assim vista. Efeminado, triste, altamente cauteloso. Foi como fui descrito e guardei a raiva para desabar com vocês. Agora, dias depois, mantenho toda a mágoa no peito, porém não discutirei com ele. É profissional, não é mesmo? Assim se estabelece nossa conexão. Ele colocará suas luvas, enfiará as mãos em minha boca e me amordaçará de algum jeito. Literalmente ou não. Sairei do consultório com um dente a menos e muitas, muitas moedas de real gastas. Economia colapsante. É pela saúde, daí respeito. A saúde sequer tem diminutivo. “Saudinha?”, não existe. Portanto não dá para brincar. Com as pessoas brincamos. Brinca-se até destruir – e portanto não devo me abalar. O abalo é o flagelo do corpo e não se deve cair nesta armadilha.”
quinta-feira, 1 de agosto de 2024
Desalento
Nossas últimas memórias foram tapas. Tapas bem-dados e merecidos que não causaram dor. Temo pelo cachorro, não o quero diante de minhas sujeiras, mas por vocês não temo. Faço-o pela obtusa tentativa de independência, em que sobre meu corpo desfaço-o. É um método feliz e não convencional, porque espero me definir e alinhar ao mundo, juntando sentenças em união à terra. Ninguém sairá perdendo.
Com o tempo se perceberá que foi pueril, porém nato e necessário caso dado certo. Não devo pensar no futuro e suas possibilidades infundadas, embora seja de praxe especular o terror do estar vegetativo, inabitável e sempre em dor, incapaz sequer de atender aos requisitos de meus criadores. Esta não é a hora de se pensar nisso, tome a atitude como navegação. Descansar os músculos, a mente, os ossos e a alma.
domingo, 14 de julho de 2024
Faqueiro
A carne recém-cortada é molhada.
Não é isso o que você quer?
Sem luvas, saiba como amaciar as estrias, dosar a gordura e manter com sugestão o que se possa sorver com gosto. Para nosso paladar, que seja este um banquete.
Não quero apenas que me dose com o toque. Quero desde o início te ver cortar minha célula.
A lâmina é afiada? Irá perfurar, penetrar? Um corte bem dado não possui dor imediata. O salmão não percebe a morte.
Estrangule-me com seus métodos treinados.
Sem luvas, saiba como amaciar as estrias, dosar a gordura e manter com sugestão o que se possa sorver com gosto. Um golpe sem marcas que seja uma lembrança sem tortura, que foi pedido, emitido e concordado como o envio de uma carta.
Não quero apenas que me dose com o toque.
A carne recém-cortada é molhada e um corte bem dado não possui dor imediata. Não é isso o que eu quero? Para nosso paladar, que seja este um banquete.