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segunda-feira, 17 de novembro de 2025

encefalite / PONTUAL

{encefalite}


 I.

Dor ao piscar, na ponta da linha d'água.

Enxaqueca que começa pontual e irradia ao tomar remédio, aliviando a intensidade ao deixar de ser localizada. Área ao redor do olho esquerdo e sobrancelha dolorida ao toque.

Região entre nariz e sobrancelha esquerda levemente inchada. Não perceptível senão ao toque.


II.

Uma praia minúscula esquecida por todos daquela praia ao lado. Tinha areia densa, de grãos grossos e espaçados entrelaçados por conchas e pedras de todos os tipos.

Nos propunha um andar massageante. Ou talvez algo como desfilar sobre uma pilha de unhas postiças.


{PONTUAL}


III.

Às vezes sinto, na borda do meu cérebro, uma gota caindo, desatando.

A sensação sempre me assusta e é intocável pela posição. Talvez seja algo a se investigar, embora eu me contente em achar um significado mítico desses eventos, como um degelo da minha mente.

Se posso desabafar, sinto há tempos que meu cérebro está contraindo, impedindo minha mente de dar pontos finais e pensamentos conectar.

Ah, o impedimento! Uma compressa moral e mental que não deixa fugir daqui, fisiologicamente, sincronicamente, para fora de mim através da mente.


IV.

As coisas ordinárias

vamos pensar nas coisas ordinárias

eu & você

você & nós

nós & todos

este país que tem esta cidade onde vive o chão que carrega a sua casa

este chão

carrega nas costas os seus pés

este chão

ordinário de gente ordinária que move este país

este país

que tem gente ordinária que na ordem do dia se faz brilhante

constrói muralhas sobre este chão

constrói sapatos para estes pés

pés que dilaceram essa carne sólida

sólido como este país que se faz em pé neste chão


V.

Foi falado (quem falou?) 

que eu penso demais 

e niguém (no fim) entende o que penso

então é melhor não pensar

fazer o que dá pra fazer

falar a palavra que se formou no escuro e sem esforço

que você vai ouvir sem pensar também

e tateando a forma clara vai entender sem dúvidas

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

de queda e afogamento

    Na fila do caixa o atendente me convidou com um olhar estranho
respondi em educação, porém sem muitos significados.
    Estava, pois, de passagem, não era meu local – apenas uma viagem –, e aquele supermercado era por si próprio uma cidade-dormitório, apenas estadia para qualquer um, de dentro de um shopping center.
    Ele seguiu seu olhar caminhando enquanto íamos todos pela garagem em frente
    e ninguém mais notou, ou notar não traria conversa
    porém eu notei e posso ter notado mal
    porque já experienciei olhares assim antes, que se tornaram lábios e me engoliram monstruosamente
    em repetidas vivências, sempre na defensiva,
    me tornei requerente desses,
    sem nenhum prazer e com extremo medo
    sabendo ao todo que virá e desencadeará noutros signos
    a letra, palavra, oração
    e irei me fazer protetivo
    o corpo enquanto armadura
    fuga sem deslizes
    desejando que a força seja maior que a minha
    e haja descontrole

    não é cruel?

    Continuo fazendo perguntas em todas as minhas divagações,
porque em um círculo decadente danço
    esperando quem quebre a taça
    e me perfure com os estilhaços
    arrebentando o Mesmo
    para me apresentar caminho de corretude

    mas é esperar demais
    e perceber muito do momento insignificante com alguém
    como Você
    sem nome e sem face

quarta-feira, 18 de junho de 2025

Carne de pescoço

    O pescoço enrijeceu. É um sinal do fim dos tempos? Está tudo tortuoso desde que me tornei fraco para uma só bebida. Querer ser feliz diante do álcool, depressor do sistema nervoso, exige situação adequada: amigos, amantes, afins. Nada disso existe aqui. É deserto. Há apenas a bebida, corolário, descendo e voltando pelo corpo, tal qual o exercício do trapezista. Enquanto isso, desespera-se pela atenção. Conversa hipotética sobre a conversa hipotética com aquele ou aquela que não receberá seus dados escritos. Saiba, é por não saber desencadear e então decidir, na razão humana, ser cachorro procurando o rabo infinitamente num círculo, num oito, num ponto. Cobra que come cobre e devora em partes o desejo. Sem desafios póstumos, sem recomeço.

domingo, 23 de março de 2025

Óculos

    Estou de olho em você. Estou de olho em vocês dois! Pla-To-Ni-Ca-Men-Te. Pois se pudesse, abocanharia. NHAC! E quando o dia cai feito Belzebu sobre a igreja, tapando a crença com a dúvida, me pergunto: Kaspar Hauser, se adulto, seria consumido pelo furor do desejo? Lobos loucos solitários em salas grupais rodeiam olho-rabo o caminho infinito que forma círculo e vira ponto. Acaba-se assim a História?

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Carta de Amor II

    Você sequer tinha sua barba naquele sonho. Isso se me lembro direito de você. Não sei se me lembro, não te conheci muito bem. O que posso afirmar é a sua posição naquela esfera, o sonho, em que estava feroz contra mim.

    Deve ser como eu te imagino - faz sentido! -, embora esperasse que fosse a realidade além do onírico: você bravo e feroz feito um cão radical possuído pela raiva. Devolvi na mesma medida - Não, fui mau.

Defendi meu território e calei suas palavras com imensa racionalidade, fazendo questão de procurar mais provas além das fornecidas, que foram desnecessariamente caçadas por toda aquela cena para o puro estado da humilhação, que só pode ser visto assim agora com a crosta resfriada, vivido naquele instante como a construção sólida de minha defesa.

    Ninguém me violará.

    Sinto sua falta. Sinto-a porque não te conheci muito bem e gostaria de o ter feito. Não sei o que se desenvolveria disso. Agora só espero que tenhas ira, fome, mágoa; que gires seu rabo em torno disso, corras e apontes as orelhas para a direção tomada como pontas de flecha que cortam o vento.

    Encontre-me, pois não sei como te encontrar.

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Medusa e Caravela

    Eu descobri minha tristeza. É inerente. Porque sou uma pessoa feliz, que esboça sorrisos na própria existência e faz desta sua irradiação: vive e cria e a criação sobre a vida é a vida que contenta a vida e a contém. Tristemente. Feliz pessoa triste. Antítese? Oximóron?

    Todos os sentimentos podem permear a sala de uma mesma mente. Conjugam-se livremente mesclando e separando para seus unicelulares originais. O corpo sentimental é caravela-portuguesa. Vem de mesmo ser, trabalhando e se direcionando para sustentar funções inócuas que são satisfatórias em suas diligências ainda que fadadas ao mortífero do próprio cerne. Haraquiri ou caos organizado – são estas decisões laborais e torturantes (diga-se: auto-tortura) aquelas extremamente, singularmente organizadas, não necessariamente compreendidas à flor dos olhos além.

    “Não é medusa apesar da aparência”. Não é medusa. É cooperativista e não-usual. Balão uno de muitas e muitas partes (Antítese? Oximóron?), com fio e corda e corpo inflado que eletrocuta e morre, desloca e encalha, solta-se e come, que cria e modifica e reproduz.

sábado, 3 de agosto de 2024

Conversa Dental

     “Isso, isso… É claro que me importo com todos os acontecimentos que a mim são direcionados. Todos nós nos preocupamos, certo? Quem sabe? Não sou eu quem dirá por você. O que posso afirmar é que me importei com tudo e agora passo alheio como se não me importasse com nada. Aquele dia. Aquele acontecimento daquele dia. O que passou, o que vivi. Foi. Sabe o que realmente me incomoda? Perceba, venha analisar: não aquelas palavras das quais ele me chamou, situou e enfiou. É tudo categórico. O que me incomoda é que estavam no diminutivo. Quando criança, não é um problema te tratarem como criança e sim te tratarem como uma criancinha. Uma subcriança. Ali ele já me diminuiu. Restringiu a posse social. Era uma projeto de gente. Dessa forma de gente, tornou-se ainda mais restrita. Mínima. Jogou a dignidade para baixo, terra adentro. A semente, vamos configurar, sequer gerou a muda. Eu me tornei semente diante daquelas palavras. A criancinha que sequer é criança, categoria menor da vida humana, e ali, já adulto, uma categoria abaixo de onde eu poderia estar. Bananas para todo lado, pisando e escorregando. Uma alegoria circense, assim vista. Efeminado, triste, altamente cauteloso. Foi como fui descrito e guardei a raiva para desabar com vocês. Agora, dias depois, mantenho toda a mágoa no peito, porém não discutirei com ele. É profissional, não é mesmo? Assim se estabelece nossa conexão. Ele colocará suas luvas, enfiará as mãos em minha boca e me amordaçará de algum jeito. Literalmente ou não. Sairei do consultório com um dente a menos e muitas, muitas moedas de real gastas. Economia colapsante. É pela saúde, daí respeito. A saúde sequer tem diminutivo. “Saudinha?”, não existe. Portanto não dá para brincar. Com as pessoas brincamos. Brinca-se até destruir – e portanto não devo me abalar. O abalo é o flagelo do corpo e não se deve cair nesta armadilha.”