Aos 30 anos o corpo tinha peso inexplicável ao dos 20. Os braços suspendiam queimadas sem deixar rastros. Percebi que a cada ano éramos mais bonecos articulados do que gente, pois cada junta tinha seu nome, sua função e sua disposição a aparentar. Você logo era possuidora, observadora – de si e de cada parte contida em si. Cada fresta e cada nexo do corpo. Cada alelo e cada célula. Cada dor a seu favor.
Mas não se era conhecedora da própria vítima. Se não era antes, enquanto gente, seria agora enquanto invólucro articulado? Em vez de se resfriar na sabedoria e conectar os pinos, novos pinos se formavam. Mais profundos, acertando nervos e veias. Cáusticos sem acomodação.
Foram inúmeras pílulas de nortriptilina e comprimidos de amitriptilina. Muito além do que comportava meu peso. Ainda assim demorou alguma certeza de tempo para irradiar tremores, vômitos e convulsões.
Você era e eventualmente deixava de ser, como recentemente, de maneira efervescente e bela, no exame de endoscopia em que fui sedada pelas narinas. Estava ligada e deixei de estar, feito um televisor em stand-by.
Agora entretanto não tinha o acordar.
Essas palavras todas são códigos. Despedi-me. Flutuava massa cinza pelo ar, diante dos prédios e abaixo das nuvens. Sem rumo e sem função. Sem mérito. Nenhum valor. Sem tristeza ou vitória, você não é mais um critério social.
Descompensei-me do mundo e não há referência abaixo, sequer acima. O código que lhe fito como uma flecha irá expirar. Sem ver o Sol, Vênus ou a estação espacial. Sem assombrar a lápide no cemitério ou sequer reconhecer aquele que usa os trapos dados aos brechós. Sem vigência de língua, tempo, matemática. São todos didáticos, e o didático agora não lhe cabe. Atravessa sua massa cinza sem valor. Existente e incompreensível.